Cromeleque dos Danados: abril 2020

22 abril 2020

Tycho Brahe

Tycho Brahe foi convidado para um jantar entre amigos. Entre eles, mulheres elegantes e voluptuosas de rosto nacarado e seios protuberantes; homens garbosos, de uma magistral voz e eloquência; cientistas, poetas e outras eminências. Enfim, a nata da sociedade dinamarquesa. Tycho Brahe tratou de preparar a sua melhor toilette; colocou o nariz com toda a delicadeza possível (iria certamente causar algum espanto pelo facto de ser oiro de verdade, e não apenas qualquer metal revestido que daria essa percepção); e apesar de tímido como um caracol, foi anunciado. Pelos vistos, houve uma leve crispação nervosa para rir a bandeiras despregadas, mas em tudo se abateu um silêncio. Tycho Brahe sentiu apenas um leve aperto no âmago, tal a sua timidez diante dos comensais. Após a refeição, os mordomos serviram a sobremesa. Tycho Brahe estava já um pouco empanturrado devido a uma marinada à base de cabrito e cebolinho, quando alguém o interpelou. "Senhor Tycho Brahe - assim lhe dirigiu um senhor com um colete preto resplandecente e negro de azeviche contrapondo com o laço branco: - É capaz de nos explicar em que consiste a sua teoria da gravitação dos astros?"
- Quer me parecer - disse Tycho Brahe um pouco atordoado - que os planetas giram em volta do sol... 
Nada mais acrescentou. A sua alma estava partida em dois. Desde logo aqueles olhares cravados nele; os sorrisos imperfeitos das senhoras de rosto nacarado. 
- Certo. Disse que os planetas giram em volta do sol e disse muito bem. Mas, não há algo mais sobre a sua teoria que nos queira enunciar?
- Pois bem, meu amigo. O sol gira em torno da terra - e antes que Tycho Brahe fosse mais longe, ouviu-se no mesmo instante uma enorme gargalhada. Tycho Brahe, ofegante, sentiu como que o espírito entorpecido.
- Você sente-se bem? - disse uma voz circunspecta. 
- Passa-se algo no reino da Dinamarca - disse uma senhora cravando a unha metafórica.
Neste somenos, o seu nariz cedeu. Sentiu que algo ou alguma coisa havia cedido para o desfalecido Tycho Brahe se agarrar ao nariz. As gargalhadas sucediam. E para surpresa de todos, que riram ao ponto de espirrar e soltar uma tosse descabelada, o nariz caiu. E tendo caído por cima da vieneta, mais os homens e mulheres se não continham.

Este conto foi escrito primeiramente para constar no blogue Guerra e Morte, agora inexistente, com contribuição de um colega. Ora, isto ocorreu aquando dos primeiros adventos do Blogger, e desde então tenho guardado o conto para futura publicação.

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